O Código Maquiavel: Ética e Liderança

Para os leitores interessados em textos voltados para Gestão de Negócios e principalmente Liderança os escritos de Nicolau Maquiavel (1469-1527) sempre se tornam recorrente, como uma sombra que nos lança uma pergunta incomoda:

“Os lideres devem obedecer os mesmos códigos de ética dos membros de sua equipe, ou, por possuir um cargo de comando de grande responsabilidade, necessitam de um código mais elástico para sobreviver no competitivo mundo empresarial?”

Para Maquiavel , o príncipe (ou seja, o líder) deve estar acima das leis que regem a corte e o Estado, por um motivo simples, a posição que ele ocupa, no topo da pirâmide o obriga a tomar decisões que vão além da tradição moral predominante. O motivo de tal conselho ainda é polêmico, mas ao contrário do que muitos autores propõem, Maquiavel não tinha a intenção de incentivar ou justificar a tirania e o narcisismo, tão comum em corporações doentes. O pensador apenas desejava ressaltar os problemas enfrentados pelos líderes diante de dilemas éticos. O ponto central deste raciocínio é que, os comandantes são obrigados pelas circunstâncias a agir de forma diferente dos demais

[1], portanto eles devem estar preparados para isso, já que cabe a eles possuir o maior número de virtudes possíveis, uma vez que sua equipe se inspirará constantemente em seus atos. Quanto maior o conhecimento, maior será a capacidade do líder de analisar criteriosamente situações difíceis, por isso, o autor insiste que um príncipe não deve ter outro objetivo nem outro pensamento senão o de praticar a arte da guerra, ou seja, o líder deve ter controle dos seus domínios, para tanto, quanto mais conhecimento, mais poder e discernimento para tomar as decisões corretas. Além do saber técnico (específico da área) e das ciências humanas, para Maquiavel existe outro item imprescindível para a construção de um Líder de sucesso: o domínio do  jogo das aparências.

Mais uma vez, devemos deixar claro as intenções do filósofo ao afirmar que: “a um príncipe não é necessário possuir todas as qualidades, mas é necessária parecer tê-las”[2]. As “aparências” fazem parte do conjunto de qualidades que um gestor deve possuir, para participar do jogo de atores de um mundo em constante mutação. Portanto, as aparências (que representam o poder de adaptação do líder) deve apresentar-se como uma virtude que facilitará a sua adequação em todos os níveis hierárquicos, com a postura e os discursos corretos para cada situação. No entanto, Maquiavel não faz um elogio a superficialidade ou a dissimulação, ele simplesmente quer descrever o perfil do homem criativo, que munido de todos os saberes possíveis sobre sua área de atuação, saberá moldar-se adequadamente as mais diversas situações e persuadir o maior número possível de pessoas através de seu talento.

No entanto, todos sabem que os jogos do poder, estão contaminados por fraudes e vaidade, assim sendo:

“Seria possível para um líder alargar os códigos de ética vigentes sem arremessar o nome da corporação e de sua equipe na lama?”

Pois bem, para Maquiavel, o gestor (munido de todo o seu preparo intelectivo e prático) não deve agir irresponsavelmente, já que sua ação, não deve ferir o bem estar do grupo que está sob seu comando, uma vez que a elasticidade ética, aconselhada por Maquiavel aos lideres não deve ferir o princípio da Ética clássica de Aristóteles, ou seja, toda atitude deve gerar o bem ao maior número possível de pessoas, impulsionando uma reação benéfica  encadeia. Assim, cada ação, terá que favorecer a equipe, a corporação, a marca e a sociedade como um todo. Ambicioso? Não para um líder preparado.

Por incrível que possa parecer, a intenção de Maquiavel, diferente, até mesmo dos teóricos de liderança atuais, não é sobrecarregar as costas dos gestores com todo o peso moral judaico-cristã (uma vez que ele é o primeiro autor, que faz uma distinção entre valores morais/religiosos e políticos), o pensador compreendia a vulnerabilidade humana em seus muitos aspectos, e é a partir do conhecimento desta fraqueza que ele constrói uma ética da responsabilidade que contém em si o germe das tradições antigas, com um acréscimo: um sopro de humanidade na vivência profissional, levando em consideração que as relações entre bem e mal são mais difíceis de serem catalogadas na vida cotidiana do que na teoria.

Um bom líder, não é aquele que possui uma armadura contra todo o mal, mas aquele que tem todos os mecanismos intelectuais necessários para poder encontra a melhor estratégia em momentos de dificuldade, para tanto, o preparo  é a arma essencial. Assim, estudos estratégicos da área agregados a saberes ligados a Filosofia e Artes (uma vez que a união destes conhecimentos, comprovadamente,  impulsionam a capacidade mental de um gestor) representam o poder, nas mãos de um Princípe.

Estudo de Caso:

Apesar do tema ser altamente polêmico, uma vez que Maquiavel, abre possibilidades para que os lideres tenham acesso a algumas ações “relativamente autônomas” (lembrando da regra aristotélica do bem maior), observaremos agora, como uma única atitude solitária pode repercutir de maneira positiva para todo um grupo. Em harmonia com o pensamento do autor, encontramos no ano de 1983, durante a longa e conturbada relação entre Rússia e EUA, conhecido historicamente como Guerra Fria, o Tenente Coronel Stanislav Petrov (1939 -), oficial Russo, responsável pelo sistema de detecção de mísseis inimigos. No dia 26 de Setembro às 00:14 hora de Moscou, o tenente foi alertado  sobre a invasão do espaço aéreo Russo por mísseis inimigos, supostamente lançados pelos americanos. A atitude de um militar da patente de Petrov, então com 44 anos, era o de avisar imediatamente seus superiores, iniciando assim, um contra-ataque que acarretaria (sem exagero) uma guerra sem precedentes entre as duas maiores potencias mundiais da época. Porém, por meio de uma análise calma, criteriosa e sensível, o tenente (sabendo que dias antes, este mesmo equipamento havia detectado erroneamente um ataque semelhante de mísseis), optou em não notificar seus superiores, uma vez que, a ordem se transformaria em um contra-ataque nuclear  imediato. Convencido que aquela ofensiva, não se encaixava em um ataque padrão americano (utilização de lógica, do conhecimento técnico e estratégico), Petrov, não acionou seus superiores, e acertou no diagnóstico de um alarme falso, impedindo assim, uma guerra que poderia exterminar milhares de pessoas pelo globo. O feito corajoso e de uma autonomia típica de um líder de Maquiavel, foi encoberto pela história por várias décadas, mas em 2012, já com 67 anos, Stabislav foi homenageado na sede da ONU, em Nova York, recebendo o Prêmio de Cidadão do Mundo.

Pensando o caso Sranislav sob o prisma de Maquiavel, encontramos o conhecimento aliado ao bom senso ético (do qual nunca devemos nos afastar em beneficio próprio) e uma visão que não privilegiou o imediato, mas o futuro, ou seja, diante de uma decisão extrema a ser tomada, quando todas as leis que regiam suas ações não se tornaram suficientes, Stanislav observou toda a situação com a altivez e virtude de um príncipe.

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Bibliografia:

RIBEIRO, Renato Janine. Ética, ação política e conflitos na modernidade. In. Danilo Santos de Miranda (org) Ética e Cultura. Perspectiva. São Paulo, 2011. pág. 73.

POMPEU, Julio (2011) A importância de ser prudente. Revista Ética. 2001. pág.29.

MAQUIVEL, Nicolau. O Príncipe. Editora Nova Cultural, São Paulo. 1999.

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[1] Julio Pompeu (2011) A importância de ser prudente. Ética. 2001. pág.29.

[2] MAQUIVEL, Nicolau. O Príncipe. Editora Nova Cultural, São Paulo. 1999.

By |2018-04-30T14:53:41-03:00março 26th, 2012|Ética|